Passados três meses da Reforma da Previdência, sistema continua desatualizado. Contratação de pessoal, anunciada há 1 mês, também não sai do papel
Contratação de aposentados, militares, desvio de servidores de outras autarquias, ampliação do INSS Digital, atualização de sistema, Reforma da Previdência, oficialmente mais de 2 milhões de pessoas esperam benefício do INSS, mas denúncias de servidores dão conta de que esse número pode passar de 4 milhões porque benefícios por incapacidade e pedidos de revisão e recursos estariam parados na enorme fila digital que se formou com a implantação do Meu INSS. Fato é que passados mais de três meses da promulgação da reforma e um mês das medidas anunciadas pelo governo para destravar as concessões, nada mudou.
Segundo dados do INSS, no final de janeiro, os benefícios pendentes de análise já passavam de 2 milhões. Um total de 1,3 milhão de pessoas estavam esperando há mais de 45 dias, prazo estabelecido por lei para a concessão do benefício. Desses pedidos, 618.109 mil são de aposentadorias, 108.416 mil de salário-maternidade e 47.206 mil de auxílio-doença.
Para contratar os 8 mil servidores e militares, o governo precisa editar uma medida provisória (MP). Porém, após a edição ainda é preciso que o governo publique um edital anunciando essas vagas, a remuneração e o tempo de contrato. Somente depois haverá uma seleção dos candidatos.
Todo esse trâmite deve levar pelo menos 60 dias antes do início do trabalho nas agências e na análise de benefícios. Enquanto isso segurados amargam longa espera e muitos não sabem como vão sobreviver. Este é o caso do auxiliar de serviços gerais Carlos dos Santos Filho, 66 anos, morador de Madureira. Ele conta que trabalhava numa firma de limpeza há 16 anos e com a proximidade da aposentadoria, antes mesmo da mudança nas regras no ano passado, deu entrada no pedido do benefício no INSS.
“As coisas estavam difíceis na firma, os salários atrasando muito, sem férias… Eu vi na aposentadoria o jeito de ter um dinheiro garantido todo mês e dei entrada no pedido antes que mudasse a lei”, conta ao DIA. E acrescenta: “Mas o que era pra ser bom acabou virando um problema na minha vida. A empresa quando soube que dei entrada na aposentadoria me mandou embora e até hoje meu benefício não saiu”. Carlos deu entrada no pedido de aposentadoria em maio do ano passado, portanto 9 meses atrás.
Para sobreviver e não deixar faltar as coisas em casa, ele faz pequenos serviços de limpeza e servente de obra. “O seguro-desemprego durou pouco e hoje faço de tudo um pouco para não deixar faltar as coisas em casa. É uma covardia o que o governo está fazendo com a gente que é pobre. Não estou pedindo favor nenhum, eu contribuí mais de 40 anos”, lamenta. “Quando meu filho entra no site do Meu INSS pra ver a minha aposentadoria dá a mensagem de ‘em análise’ e nada anda”, critica.

Uma alternativa levantada pela presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante, é o pedido de mandado de segurança na Justiça para obrigar o INSS a dar uma resposta. “O mandado não garante a concessão do benefício, mas obriga o INSS a dar uma resposta. Seja ela negativa ou positiva. O que não dá é para deixar os segurados nestas condições”, diz Adriane.
Simulador de aposentadoria está fora do ar
Por conta do atraso na atualização dos sistemas do INSS às novas regras de aposentadoria e pensão aprovadas pelo Congresso, o simulador de benefício do portal de benefícios Meu INSS está fora do ar. Com isso, o trabalhador não consegue descobrir, de forma automatizada e pelo canal oficial, quando poderá se aposentar a partir das mudanças implementadas pela Reforma da Previdência.
O INSS informou em nota à Agência Estado: “Nenhum cálculo de atendimento de regras ou definição de valores de benefícios concedidos pelo INSS é feito de forma manual pelos servidores para garantir segurança e uniformidade”.
“Nesse sentido, uma força-tarefa formada pelo INSS, pela Secretaria de Previdência e pela Dataprev tem se dedicado a converter cada hipótese de aplicação concreta da nova legislação em regras de sistema, de forma detalhada. Uma simples falha na especificação de qualquer regra pode gerar benefícios concedidos ou indeferidos de forma indevida, podendo gerar prejuízo aos cofres públicos, numa hipótese, ou ajuizamento de milhares de ações judiciais pelos prejudicados, em outra”, explicou o órgão.
Segundo o INSS, ao todo seis sistemas de concessão, manutenção e pagamento de benefícios estão sendo ajustados em função da aprovação da reforma. Além disso, também está sendo atualizado o Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), base de dados que concentra todas as informações dos contribuintes da Previdência.
No momento, só estão habilitados para operação os sistemas para concessão de salário maternidade, auxílio-doença, auxílio-reclusão, Benefícios de Prestação Continuada (BPC) ao idoso e à pessoa com deficiência e a pensão especial destinada a crianças com microcefalia decorrente do zika vírus. Segundo o INSS, esses benefícios representam mais da metade de toda demanda recebida diariamente pelo órgão. “Os demais sistemas estão em fase avançada de desenvolvimento”, disse o INSS.
O órgão afirmou ainda que as adaptações não geram impacto na análise dos requerimentos feitos por quem já tinha direito à aposentadoria antes da reforma. No entanto, o INSS enfrenta uma fila de 1,3 milhão de pedidos de benefícios atrasados há mais de 45 dias, que é o prazo legal para a análise.
Falta de regra barra pagamento de auxílio-doença
Os trabalhadores que recebem menos do que um salário mínimo, hoje em R$ 1.045, estão com o pagamento do auxílio-doença travado por falta de um decreto do governo para regulamentar o artigo 29 da Reforma da Previdência, que começou a valer em novembro do ano passado.
Sem o decreto, pessoas nessa situação que deram entrada no pedido de auxílio após a reforma seguem aguardando pagamento, mesmo após passar por perícia do INSS que comprova o direito ao benefício. Trabalhadores intermitentes ou de meio período, por exemplo, podem receber abaixo do mínimo mensal.
A Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia afirma que o decreto “está em fase final de elaboração”, e que a expectativa é de que seja publicado no início de março, “assim como as primeiras implementações em sistema para viabilizar as concessões do auxílio”.
“Quando o trabalhador ganhava abaixo de um salário mínimo, antes da reforma, aquele mês entrava na conta do tempo de contribuição para, por exemplo, ter direito à aposentadoria e ser usado no cálculo do valor do benefício”, explica Adriane Bramante, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). Mas, segundo as novas regras, esse mês só contará se o trabalhador compensar a diferença, por exemplo, pagando o que falta para alcançar a contribuição mínima.
Como a lei não define como será feito o pagamento da diferença pelo trabalhador para complementar sua contribuição, o governo precisa editar um decreto, que deve sair só em março. Isso porque sem o decreto, o INSS não consegue calcular o valor do benefício, e o pagamento desses auxílios fica pendente. E até que se resolva esse imbróglio, os trabalhadores continuarão sem o benefício.